Bundesliga-Skandal: 50 anos da maior mancha do futebol alemão
- Thales Dantas
- 17 de abr. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de fev. de 2023

Termos como “suborno”, “mão cheia” ou “mala branca” foram deixando, com o passar do tempo, de existir no mundo futebolístico. A criação de leis, tanto no campo financeiro quanto nos campos esportivo e jurídico, fez com que o futebol tornasse um esporte de transparência fora dos gramados, fiscalizado constantemente pelos órgãos regulamentadores. Antes disso, contudo, a história era bem diferente. Hoje, 17 de abril de 2021, completam-se 50 anos de um dos maiores escândalos esportivos já vivenciados na Alemanha, com a descoberta de um esquema meticulosamente arquitetado que chocou todo o Velho Continente na época e que, de maneira infeliz, teve o Schalke como pivô de sua destruição.
Vamos voltar para o ano de 1971. A Bundesliga, competição nacional que estava apenas em seu oitavo ano de criação, acabara com o Borussia Mönchengladbach sendo campeão, em uma disputa acirrada que lhe deu o título apenas no critério de desempate. Os potros e o Bayern de Munique terminaram empatados com 68 pontos, e o desempate veio no saldo de gols das equipes. Por 4 gols de diferença, o Gladbach se sagrou vencedor do torneio. A atração da temporada, no entanto, ainda estava por vir.
O Offenbach Kickers, atualmente na quarta divisão alemã, havia sido campeão da DFB-Pokal na temporada passada (1969/70), batendo o poderosíssimo Köln de Hannes Löhr e Werner Biskup na final. Helmut Kremers, lateral-esquerdo que viria a fazer história no Schalke nas temporadas seguintes, fazia parte do elenco vitorioso de Offenbach. Entretanto, o sucesso na copa não acompanhou a equipe na liga, que acabou por ser rebaixada para a 2.Bundesliga.
O rebaixamento foi a gota d’água para que o então comerciante local e presidente do Kickers, Horst-Gregorio Canellas, decidir colocar a boca no trombone. Ao promover uma festa em comemoração aos seus 50 anos de vida, o varejista reproduziu, movido pela ira de ter o seu time rebaixado, diversas fitas para os convidados ouvirem, fitas estas que constavam falas de dirigentes, cartolas e alguns jogadores sobre a montagem de um esquema de corrução e manipulação de resultados na liga. O ocorrido chocou os ouvintes, que fizeram questão de, rapidamente, espalhar a notícia para toda a população. Em questão de 3 dias, tanto a Alemanha Ocidental quanto a Alemanha Oriental – como um todo – já estavam sabendo sobre o escândalo.

Canellas e os convidados no jardim de sua casa, em Offenbach; ao total, cerca
de 8 fitas foram reproduzidas no local.
Como e quem a manipulação favorecia?
Os favorecidos, esportivamente, eram Arminia Bielefeld e Rot-Weiß Oberhausen que, até a 25ª rodada, faziam parte da zona de rebaixamento da competição. O esquema fez com que ambos terminassem a competição em 14º e 16º colocados, respectivamente, evitando assim o rebaixamento e colocando Rot-Weiß Essen e Offenbach Kickers na berlinda (aí o motivo para que Canellas denunciasse a conspiração).
As negociações geralmente eram feitas por telefone, e o dinheiro podia ser entregue tanto em postos de gasolina quanto nos fundos de galpões e armazéns abandonados. Ao todo, estima-se que mais de 1 milhão de marcos (moeda nacional da época) foram movimentados em todos os jogos das últimas rodadas da Bundesliga de 70/71.
Apesar de ter sido descoberto apenas após o fim do torneio, era notável que o nível de competitividade entre uns clubes e outros mudava conforme a partida. O caso mais nítido disso foi em Arminia 1:0 Köln, onde Manfred Manglitz, então goleiro dos bodes, sofreu um gol que levantara diversas suspeitas acerca dos espectadores, que julgavam ser um “erro irreconhecível” por parte do arqueiro alvirrubro.
E onde o Schalke 04 entra nessa história?
Exatamente agora. No sábado, 17 de abril de 1971, o Arminia Bielefeld viajara para Gelsenkirchen para enfrentar o Schalke no Glückauf-Kampfbahn, pela 28ª rodada da liga nacional. Em um jogo truncado, os visitantes conseguem abrir o placar apenas aos 37 minutos do 2º tempo, anotando o que seria o único gol da partida. O que não se sabia, porém, era que o Arminia havia oferecido 40.000 marcos para o time do Schalke entregar o jogo. Os jogadores azuis-reais acabaram aceitando a proposta, mas com condições: o placar deveria ser apenas 1-0, com o gol do Arminia sendo marcado perto do fim do jogo, visando passar a falsa impressão de competitividade e disposição diante de seus mais de 30.000 torcedores que iriam vir a lotar o Glückauf-Kampfbahn. O Arminia aceitou tais condições e o acordo foi selado.

Momento do histórico gol de Gerd Roggensack para o Arminia contra o Schalke 04, em 17/04/1971
Condenação e suspensão
De início, quando questionado sobre seu envolvimento e participação nos esquemas de manipulação dos jogos, o Schalke negou veementemente, vindo a ser desmascarado somente um ano depois, em 1972. Você deve notar que, neste mesmo ano citado, fomos campeões da DFB-Pokal em cima do Köln. Entretanto, alguns atletas – Hansi Pirkner, Jürgen Galbierz, Manfred Pohlschmidt e Jürgen Sobieray – não jogaram a competição naquele ano, justamente por estarem suspensos pela DFB na época. Além dos citados, os zagueiros Rolf Rüssmann e Klaus Fichtel, o volante Herbert Lütkebohmert, o ponteiro Stan Libuda e o centroavante Klaus Fischer também foram à júri popular e condenados a pagar multas de quase 25 mil marcos por envolvimento direto nos esquemas de manipulação da liga.

(esq. para dir.) Klaus Fischer, Klaus Fichtel, Herbert Lütkebohmert, Stan Libuda e Rolf Rüssmann em julgamento em Essen, 1971
A DFB nomeou o juiz e presidente do comitê de controle e fiscalização da liga, Hans Kindermann, como procurador-chefe da investigação, que deu os primeiros veredictos sete semanas depois da divulgação pública feita por Canellas. Manglitz, banido do futebol nacional de maneira vitalícia pela Federação de Futebol Alemã, concedeu entrevista coletiva dias antes de depor no tribunal, dizendo:
"Você apenas tinha que jogar normalmente. O dinheiro vinha antes de alguém. Ou um bônus ou você tinha perdido."
Manfred Manglitz
Ao todo, 53 jogadores, 2 treinadores e 6 cartolas de diferentes clubes do campeonato de 70/71 foram condenados por perjúrio (rompimento com as normas e diretrizes da Bundesliga) no Tribunal Distrital de Essen, entre os anos de 1971 e 1975.
O Schalke, por sua vez, pôde considerar o caso como encerrado apenas em janeiro de 78, quando o imbróglio de Klaus Fichtel foi concluído (suspensão do futebol por 4 semanas). De fato, um dos momentos que mais envergonharam – e envergonham – a instituição azul-real e seus torcedores, refletida nas temporadas conseguintes do clube, onde a média de público em casa caiu de cerca de 30.000 espectadores para pouco menos de 16.500 por jogo.
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